6 de setembro de 2012

Cicatrizes


Você pegou a minha mão e perguntou de uma cicatriz que tenho e que já está há tanto tempo comigo que eu quase nem noto que ela existe. Sei que foi na infância e que teve alguma coisa a ver com o ferro de passar, mas não sei o que aconteceu e nem lembro da recuperação. Após isso, conversamos sobre outras duas cicatrizes que também perderam a história que tinham para contar, mas que estiveram na pele durante todo o tempo.

Foi aí que eu percebi que adquiri machucados que cicatrizaram e ficaram no meu passado de um modo que eu não os percebo frequentemente. Observando bem atentamente as minhas mãos, eu encontrei a cicatriz do plástico derretido que caiu no dedo, a mordida do cachorro na casa da amiga, o grafite da lapiseira do melhor amigo que nunca saiu e a marca de ferro que até hoje me ajuda a descobrir qual das minhas duas mãos é a esquerda. Sem contar todas as treze vezes que fiquei com algum tipo de gesso. Sim, treze.

Quando eu conseguia enganar a minha mãe, eu era o tipo de menina moleca que brincava de pega pega descalça na rua da avó, que subia no pé de goiaba para comer fruta, gostava de procurar tatu-bola na terra, mas não conseguia manter a pipa lá em cima. Na adolescência, eu era o tipo de garota moleca que jogava basquete com os meninos, não sabia muito sobre essa coisa de maquiagem ou  beijo na boca, mas aprendeu a andar de skate só porque se apaixonou por alguém.

Durante todos esses anos eu adquiri machucados que cicatrizaram e acredito que só ficaram no meu passado, porque eu parei de olhar para eles e lembrar de como me machuquei. Observando bem atentamente as minhas mãos, eu descobri que caí o suficiente para encontrar diversas marcas nelas, mesmo que uma boa parte delas tenha fugido da memória. Apesar de ainda existirem na pele, elas foram embora de um jeito que eu quase não lembro da dor. Sei que ela existiu, tenho uma ideia de como foi, mas isso não me afeta mais.

Quando eu consigo enganar meu medo, eu sou o tipo de garota-menina-moleca-mulher que brinca de pega pega na vida e se esconde do asfalto para pisar descalça na grama. Claro que não tenho mais a facilidade de subir em árvores, mas nunca me importei com a dificuldade que seria necessária para "comer a fruta do pé". Já sei lidar com essa coisa de maquiagem, mas às vezes sinto aquele frio na barriga do beijo. E continuo aprendendo muitas coisas ao me apaixonar por alguém.

Você prestou atenção nas minhas mãos e fez eu descobrir que todas as nossas dores vão embora algum dia. A gente até ri de algumas delas mais tarde, mesmo sabendo que quando elas apareceram nós choramos, fizemos cena e pedimos colo para a mãe. Claro que eu passei a tomar mais cuidado com os ferros de passar e com os animais de estimação dos meus amigos. Mas, em momento algum eu deixei de brincar com algum deles ou de passar a minha roupa. A questão é que eu descobri que é preciso aprender a cativar qualquer animal de estimação antes de me aproximar. É necessário chegar com jeito, devagar e com carinho nos cães, porque eles podem se assustar e te morder para se proteger, mesmo que você só queira lhe fazer um afago.

Um dia, qualquer dia, alguém vai pegar nas suas mãos e perguntar sobre as suas cicatrizes. E então você vai refletir se vale a pena se proteger tanto da vida depois de tantas marcas que passaram. A gente se machuca para aprender a deixar de se machucar, só isso.
Pode ser que você tenha apenas uma vaga lembrança sobre a história das suas marcas, talvez você até fale sobre o assunto sem sentir dor alguma, e quem sabe as suas cicatrizes até te ajudem a levantar no dia seguinte. A gente também se machuca para aprender a descobrir um jeito diferente de seguir em frente.
E se ainda existir dor em alguma das suas feridas, você receberá o afago de quem se interessou em ouvir  e saber sobre elas, porque cicatrizes também existem para nos ensinar a cuidar de um machucado que nem é da gente.

Um comentário:

A Princess On a Tangerine Tree disse...

Poxa, que texto mais bonito!
É mesmo, a gente sempre acaba por não chorar mais ou não chorar mais tanto assim pelas cicatrizes antigas....